quarta-feira, 29 de junho de 2016

A oferta de Cristo

Desde muito cedo na história da humanidade os homens aprenderam a levar alguma coisa à presença de Deus. Mas foi também desde cedo que Deus deixou claro que só Lhe agradaria aquilo que Ele mesmo já tivesse pedido. Caim e Abel são os primeiros exemplos de homens que ofereceram alguma coisa ao Senhor. Abel foi aceito porque sua oferta foi oferecida pela fé (Hb 11:4). No NT, as primeiras pessoas que trouxeram alguma coisa a Deus foram os magos que vieram do oriente. Eles ofertam ao Senhor Jesus ouro, incenso e mirra (Mt 2:11). Enquanto a oferta de Abel foi pela fé para aceitação, a oferta dos magos foi pela fé para adoração. O primeiro enfatiza a importância da salvação; o segundo ensina o princípio do serviço.
Tanto em Hb 11:4 quanto em Mt 2:11 os verbos “oferecer” e “ofertar” são a tradução da palavra prosphero, que, segundo W. E. Vine, primariamente quer dizer “levar para”, e é traduzida “oferecer”, ofertar, “apresentar”, etc. Na sua forma verbal, esta palavra ocorre quarenta e oito vezes no NT. Seis destas ocorrências descrevem a oferta que Cristo fez a Deus, e todas estas estão na carta aos Hebreus (Hb 5:7; 8:3; 9:14, 25, 28; 10:12). Uma consideração dessas seis ocasiões mostrará que três delas apresentam a base e, as outras três, o benefício da nossa salvação. 

a. A base da salvação – Seu sacrifício.
As três ocasiões que falam da oferta de Cristo como base da nossa salvação descrevem como foi esta oferta de Si mesmo. Ele não somente cumpriu todas as exigências da Lei para um sacrifício levítico, como também superou essas exigências como nunca antes pôde ser visto e nunca, jamais, poderá ser imitado. Veja três características da oferta de Cristo pela nossa salvação.

a.1. Sacrifício santo – 9:14.
Este versículo está fazendo três contrastes com o anterior:

Versículo 13
Versículo 14
Época

Dispensação da Lei.
Dispensação da Graça.
Elementos
Sangue de touros e bodes, e a cinza de uma novilha.
Sangue de Cristo.
Efeito
Purificação da carne (apenas o exterior).
Purificação da consciência (atinge o interior).

A forma como o Senhor Jesus ofereceu a Si mesmo foi “imaculado a Deus”. Não havia nenhuma mancha, deficiência física ou defeito moral nEle. Durante todos os anos em que andou por este mundo, Deus pôde ver nEle a mesma perfeição que sempre fora uma realidade no Céu. O que mudou foi a esfera, não Sua impecabilidade. O sangue que nos purifica é tão imaculado quanto o Sacerdote que o ofereceu (I Pe 1:19; Hb 7:26). 
Como efeito da purificação pelo sangue de Cristo, podemos servir a Deus com consciência tranquila. Não precisamos mais ficar desanimados e derrotados se, por acaso, o pecado nos surpreender. Estamos livres da sua condenação. Isso não é um incentivo para cometermos mais pecados. É um incentivo a lembrarmos que, enquanto os sacrifícios oferecidos sob a Lei não tiravam a consciência de pecado (Hb 10:2), pelo sangue do Senhor Jesus Cristo temos “os corações purificados da má consciência” (Hb 10:22). Neste versículo (9:14) as obras que o pecado produz são mortas, mas o Deus que servimos é vivo. Nossa consciência é purificada para servirmos a Deus, não ao pecado.

a.2. Sacrifício substituto – 9:28.
O contexto deste versículo apresenta a realidade da sua morte. Assim como os homens morrem apenas uma vez, Ele também morreu apenas uma vez. Mas repare também neste versículo que a frase “oferecendo-Se uma vez para tirar os pecados de muitos” é quase um paralelo de Is 53:12: “mas Ele levou sobre Si o pecado de muitos”. A ideia aqui é a de alguém tomando o lugar de outro. Na cruz, os pecados não eram dEle, assim como a justiça não era nossa. Os pecados que Ele carregou em Seu corpo no madeiro eram “os nossos pecados” (I Pe 2:24).
Além disso, não devemos diminuir ou negar o peso da palavra “muitos”. É exatamente isso que ela quer dizer. É verdade que o Senhor Jesus morreu por todos, e a suficiência do Seu sacrifício está disponível a todos. Mas a eficácia da Sua obra só é realidade na vida daquele que crê. A pessoa que não confia no Senhor Jesus Cristo para o perdão dos pecados, continua carregando os seus pecados. Mas os pecados daquele que já confiou em Cristo foram carregados por Ele. É nestes, os que creem, que a Bíblia está pensando quando diz: “o Meu servo, o Justo, Justificará a muitos”, “Ele levou sobre Si os pecados de muitos” (Is 53:11, 12).
Quão profundo e quão precioso poder afirmar: “O Filho de Deus... Se entregou a Si mesmo por mim” (Gl 2:20).

a.3. Sacrifício suficiente – 10:12.
Mais uma vez ficam evidentes alguns contrastes entre este versículo e o anterior. Repare três diferenças:

Versículo 11
Versículo 12
Serviço
Os sacerdotes ministravam de pé.
O Senhor Jesus terminou seu serviço e está assentado.
Sacrifício
Os sacerdotes ofereciam os mesmos e muitas vezes.
O Senhor Jesus ofereceu um único sacrifício.
Satisfação
Os sacrifícios dos sacerdotes não satisfaziam a Deus e, por isso, nunca podiam tirar os pecados.
O sacrifício do Senhor Jesus satisfez a Deus, tanto que tira os pecados e Ele assentou-Se à Sua destra.

Durante muitos séculos uma quantidade inimaginável de sacrifícios foi oferecida pelos sacerdotes. Todos os dias o povo pecava, e todos os dias sacrifícios pelo pecado e pela culpa tinham que ser trazidos ao grande altar de sacrifícios. Aquela cena diária era uma testemunha da insuficiência daqueles sacrifícios que “nunca podem tirar os pecados”. Deus via cada uma daquelas ofertas pelo pecado, mas em nenhum delas Sua santidade e justiça foram plenamente satisfeitas. Mas houve um dia quando um sacrifício satisfez totalmente as exigências do Senhor. Foi o dia quando Cristo “Se entregou a Si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave” (Ef 5:2). 
O sacrifício do Senhor Jesus foi apenas um, mas um suficientemente capaz de satisfazer a Deus e ao mesmo tempo tirar os pecados daqueles que nEle creem. Depois da oferta de Cristo na cruz, Deus não mais exige nem espera que ofereçamos a Ele algum sacrifício pelo pecado e pela culpa. Podemos oferecer a Deus nossos corpos (Rm 12:2), nossas contribuições financeiras (Fp 4:18), nosso louvor (Hb 13:15), beneficência, mútua cooperação (Hb 13:16), etc., mas nunca, absolutamente nunca mais será necessário levar a Ele algum sacrifício pelo pecado. Cristo já fez isso por nós, e o fez de uma vez por todas!

b. Os benefícios da salvação – Seu serviço.
Já vimos que a salvação que temos pela fé no Senhor Jesus é uma salvação perfeita por que o sacrifício dEle foi perfeito. Agora, vamos olhar para o Seu serviço e, com isso, considerar alguns dos benefícios que recebemos junto com a salvação. 

b.1. Sua súplica – 5:7.
Este versículo faz parte daquele grupo de trechos difíceis de serem explicados, mas quando compreendidos, provocam muito louvor e gratidão a Deus. Como em todas as coisas que falam do Filho de Deus, precisamos nos aproximar com cuidado, para não ferir ou negar alguma verdade da Sua Pessoa. Para efeito do nosso assunto, vamos enfatizar três detalhes neste versículo.
b.1.1. A oferta. Neste versículo, o que o Senhor Jesus ofereceu a Deus? Talvez uma mudança de lugar nas vírgulas torne mais fácil achar a resposta: “... oferecendo orações e súplicas, com grande clamor e lágrimas, ao que o podia livrar da morte...”. Aqui não é a oferta que Ele fez na cruz que está em vista; é a Sua dependência do Pai. Sua oferta foram Suas orações. Embora sendo “igual a Deus” (Fp 2:6), Ele viveu aqui neste mundo de forma dependente e submissa. Como fica evidente no versículo seguinte, “ainda que era Filho, aprendeu a obediência”.
b.1.2. A ocasião. Também convém notar que provavelmente este versículo não está descrevendo todos os anos em que o Senhor andou aqui. Ao que parece, está referindo-se a uma ocasião específica. Mas, que ocasião? Sugiro que está se referindo à ocasião solene e comovente do Getsêmani, quando Ele, em agonia, orou ao Pai.
b.1.3. A oração. Se a ocasião estiver correta, então temos, aqui, mais uma revelação do que aconteceu no Getsêmani. Além do Seu suor, o Senhor Jesus também chorou naquele dia (“com grande clamor e lágrimas”). Naquela ocasião, Ele orou ao Pai pedindo que O livrasse da morte. Isso não quer dizer que Ele estava temendo uma morte prematura. Aquele que tinha nas mãos o poder de dar a vida e tornar a tomá-la (Jo 10:17, 18) não podia temer morrer prematuramente. Ele não pediu ao Pai que O livrasse de morrer, pediu que O livrasse da morte. Em outras palavras, que O tirasse de dentro da morte; que O ressuscitasse. “E foi ouvido quanto ao que temia”. Pedro diz “ao Qual Deus ressuscitou, soltas as ânsias da morte, pois não era possível que fosse retido por ela” At 2:24). Nunca houve uma oração do Senhor Jesus que Deus não respondesse (Jo 11:41, 42).
Esta oferta que o Senhor Jesus fez a Deus nos beneficia diretamente. Se o Senhor Jesus nuca tivesse ressuscitado dentre os mortos, nunca poderíamos esperar que os mortos ressuscitassem e todos estariam perdidos (I Co 15:12-18). No entanto, “Cristo ressuscitou dentre os mortos, e foi feito as primícias dos que dormem” (I Co 15: 20-23). Mesmo que um salvo parta deste mundo antes do Arrebatamento, ele pode estar seguro de que um dia voltará e tomará seu corpo ressurreto. A ressurreição de Cristo garante isso (I Ts 4:14)!  

b.2. Sua superioridade – 8:3.
O argumento deste cap. 8 de Hebreus é a superioridade do Senhor Jesus em relação aos sumo sacerdotes da antiga aliança. Como sumo sacerdote superior Ele “está assentado nos céus à destra do trono da Majestade” (v. 1), é Ministro do verdadeiro Tabernáculo (v. 2), Seu ministério é mais excelente, é Mediador de uma melhor aliança que foi confirmada em melhores promessas (v. 6). Tudo em relação a Ele é melhor e superior.
Sendo que os sumos sacerdotes eram constituídos para oferecer dons e sacrifícios, Cristo como sumo sacerdote precisava também oferecer alguma coisa. Mas o que o Senhor ofereceu? Ele ofereceu a Si mesmo (7:27). Ele não precisa continuar Se oferecendo no Céu. Sua oferta feita uma única vez tem durabilidade e valor eterno.
Durante a eternidade, as evidencias do sacrifício do Cordeiro serão vistas, e o motivo do louvor dos santos será o preço pago na cruz (Ap 5:6, 8-14). Nenhuma dádiva ou sacrifício jamais poderá superar a dádiva que Cristo fez de Si mesmo. E se queremos agradar ao coração de Deus dando ou ofertando alguma coisa a Ele, nada o agradará mais do que oferecermos Cristo. Falar bem do Filho na presença do Pai é a melhor forma de oferecer o melhor.  

b.3. Sua segurança – 9:25.
No começo deste versículo as palavras “nem também” (“nem ainda” – ARA) indicam uma ligação com o versículo anterior e são a continuação daquele. O argumento nestes versículos é que o Santuário onde o Senhor Jesus entrou não é o mesmo onde o sumo sacerdote da antiga aliança entrava. Ele entrou no mesmo Céu, e comparece perante a face de Deus. Outra diferença é que cada ano o sumo sacerdote entrava com sangue alheio. Quando, porém, o Senhor Jesus entrou no Céu, não foi com sangue alheio, mas com Seu próprio sangue. Nem também precisou Se oferecer várias vezes, mas fez isso uma vez só. Esta única oferta é a segurança dos salvos.
Como é precioso saber que Ele comparece perante a face de Deus por nós! Mais do que isso, Ele “intercede por nós” (Rm 8:34) e continua “vivendo sempre para interceder” por nós (Hb 7:25). Todos os dias, estamos expostos a perigos físicos e morais. Mas a segurança que Ele nos dá por Suas intercessões garantem nossa preservação. Enquanto estava neste mundo, o Senhor intercedeu pelos Seus coletivamente (Jo 17:9, 15) e individualmente (Lc 22:32). Estando agora no Céu, perante a face de Deus, Ele continua intercedendo pelos que são Seus.
Aquele que intercede por nós no Céu um dia suportou as limitações aqui da Terra. Ele nunca pecou, mas à semelhança de nós, suportou fome, sede, cansaço, foi traído, humilhado e, mesmo tendo todo poder, viveu de forma humilde, como um homem pobre e sem recursos ou bens materiais que pudesse deixar de herança. Este é o nosso “grande sumo sacerdote”. Se ficamos tristes, Ele sabe como é sentir-se assim. Se sentimos fome ou cansaço, Ele conhece essas experiências. Ele conhece e Se compadece das nossas fraquezas.
Podemos chegar com confiança ao trono da graça e ser “ajudados em tempo oportuno” (Hb 4:14-16), porque Aquele que nos representa no Céu, sabe que somos fracos e intercede por nós perante a face de Deus.